O QUE PINTAR?

Heidegger dizia que o “O Olho e o Espírito” era um trabalho falsamente simples, pois nele, estaria “tudo” a respeito do assunto. Concordo com ele; honrar este texto não é fácil, ele exige muito trabalho, várias releituras e muito esforço da parte do leitor para lhe fazer justiça. Por outro lado, fico feliz em pensar que estudando com Merleau-Ponty o fenômeno artístico da visualidade possa encontrar uma resposta para a crise atual da pintura. Teria, a pintura, morrido com o advento da contemporaneidade? Estariam, já, todos os caminhos percorridos e nós, pintores, fadados a repetir o já-feito se insistíssemos em pintar? Teria sido definitiva a ruptura com as tradições pictóricas em conseqüência do abandono das grandes narrativas? O que poderia ser pintar, hoje? O que se poderia pintar hoje?
É claro que não há uma reposta única, nem definitiva e que qualquer resposta é uma resposta temporária, ela própria conduzindo a novas indagações. Como Merleau-Ponty diz no seu texto, essa é uma tarefa que nunca termina porque cada conclusão não é o fim, mas uma proposta de nova reflexão.
“As artes e a pintura se abeberam num lençol de sentido bruto”, diz ele, “ao escritor, ao filósofo, pede-se conselho ou opinião, não se admite que mantenham o mundo em suspenso, quer-se que tomem posição _ eles não podem declinar a responsabilidade do homem que fala. A música, inversamente, está muito aquém do mundo e do designável para figurar outra coisa além das épuras[i] do Ser, seus fluxos e refluxos, seu crescimento, suas explosões, seus turbilhões. O pintor é o único a ter direito de olhar sobre todas as coisas sem nenhum dever de apreciação. Dir-se-ia que diante dele as palavras de ordem do conhecimento e da ação perdem a virtude.” O pintor está ali “incontestavelmente soberano em sua ruminação do mundo, (...) obstinado em tirar deste mundo (...), telas. 
Van Gogh dizia que o pintor fala através de sua pintura e eu pessoalmente acredito que os verdadeiros pintores são pensadores que pintam, mas a razão da pintura é outra que não a do logos, diferente da ciência e da filosofia, porém tão nobre quanto a delas.
Merleau-Ponty, ao priorizar a visão como nossa “janela” para o mundo dá um estatuto novo e definitivo à pintura, dificilmente contestado. E enquanto houver mundo, haverá o que pintar e existirão pintores transmutando, em seus corpos, em formas pictóricas, os sinais que o mundo emite.




[i] Épura- Representação, no plano, de uma figura no espaço, mediante projeções.

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