Este artigo foi postado por Tatiana Oliveira
CONTRA A INTERPRETAÇÃO
CONTRA A INTERPRETAÇÃO
Susan Sontag (1964)
O conteúdo é um vislumbre, um encontro como um lampejo, É muito pequenino – um conteúdo muito pequenino,
WILLEN DE KOONING, numa entrevista
Somente as pessoas superficiais não julgam pelas aparências, O mistério do mundo está no visível, não no invisível,
OSCAR WILDE, numa carta
No início, a arte foi provavelmente experimentada como encantamento, magia: a arte era um instrumento de ritual (ver, por exemplo, as pinturas rupestres de Lascaux, AItamira, Niaux, La Pasiega, etc.). A primeira teoria da arte, a dos filósofos gregos, propunha a arte como mimese, imitação da realidade. Foi neste momento que se colocou a questão peculiar do valor da arte, pois a teoria mimética, por seus próprios termos, desafia a arte a justificar a si mesma. Platão, que propôs a teoria, parece tê-lo feito com o objetivo de determinar que o valor da arte é dúbio. Como ele considerava as coisas materiais comuns, objetos miméticos, imitações de formas ou estruturas transcendentes, o retrato mais perfeito de uma cama seria apenas uma "imitação de uma imitação". Para Platão, a arte não é particularmente útil (o retrato de uma cama não serve para se dormir nele), nem, no sentido estrito, verdadeira. E os argumentos usados por Aristóteles em defesa da arte não contestam em realidade a idéia de Platão de que toda a arte é um elabora-do trompe l’oeil, e, portanto, uma mentira. Mas ele questiona a idéia da inutilidade da arte de Platão. Mentira ou não, a arte possui um certo valor, segundo Aristóteles, por constituir uma forma de terapia. A arte é útil, apesar de tudo, rebate Aristóteles, do ponto de vista medicinal, por despertar e purgar as emoções perigosas.
Em Platão e Aristóteles, a teoria mimética da arte é paralela ao pressuposto de que a arte é sempre figurativa. No entanto, os defensores, da teoria mimética não devem fechar os olhos à arte decorativa e abstrata. É uma falácia dizer que a arte "realista" pode ser modificada ou desprezada, sem jamais tocar nos problemas delimitados pela teoria da imitação.
O fato é que, no mundo ocidental, a consciência e a reflexão sobre arte permaneceram dentro dos limites fixados pela teoria grega da arte como mimese ou representação. É em função dessa teoria que a arte enquanto tal – acima e além de determinadas obras de arte – se torna problemática e deve ser defendida. E é a defesa da arte que gera a estranha concepção segundo a qual algo que aprendemos a chamar “forma”, é absolutamente distinto de algo que aprendemos a chamar “conteúdo”, e a tendência bem-intencionada que torna o conteúdo essencial e a forma acessória.
Mesmo nos tempos modernos, quando a maioria dos artistas e críticos já abandonou a teoria da arte como representação de uma realidade exterior em favor da teoria da arte como expressão subjetiva, o elemento principal da teoria mimética persiste. Quer nossa concepção de obra de arte utilize o modelo do retrato, da representação (a arte como um retrato da realidade), quer o modelo de uma afirmação (arte como a afirmação do artista), o conteúdo ainda vem em primeiro lugar. O conteúdo pode ter mudado. Agora pode ser menos figurativo, menos lucidamente realista. Mas ainda pressupomos que a obra de arte é seu conteúdo. Ou, como se diz hoje, que uma obra de arte, por definição, diz alguma coisa. (“O que X está dizendo é...”; “O que X está tentando dizer é...”, “O que X disse é...” etc.)
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